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Páscoa e as muitas travessias
A Páscoa é festa central para judeus e cristãos. Ela
celebra, lembra e atualiza para os judeus a passagem da escravidão no Egito
para a terra da promissão, a passagem pelo Mar Vermelho e a passagem de massa
anônima para um povo organizado. A figura de referência é Moisés, libertador e
legislador, que conduziu a massa para a liberdade e a fez povo de Deus.
Para os cristãos a Páscoa é a passagem para uma vida
nova. Tem como figura central Jesus de Nazaré. Ela celebra a passagem de sua
morte para a vida, de sua paixão para a ressurreição, do velho Adão para novo
Adão, deste cansado mundo para o novo mundo em Deus.
Como em todas as passagens há ritos, os famosos ritos de
passagem tão minuciosamente estudados pelos antropólogos. Em toda passagem há
um antes e um depois. Há uma ruptura. Os que fazem a passagem se transformam. O
rito de passagem do nascimento, por exemplo, celebra a ruptura da pertença ao
mundo natural para a pertença ao mundo cultural, representado pela imposição e
recebimento do nome na comunidade.
O batismo celebra a passagem do mundo cultural para o
mundo sobrenatural, quer dizer, de filho e filha dos pais para filho e filha de
Deus. O casamento é outro importante rito de passagem: de solteiro ou solteira
com as disponibilidades que cabem a esta fase da vida para casado com as
responsabilidades que este estado comporta. A morte é outro grande rito de
passagem: passa-se do tempo para a eternidade, da estreiteza espaciotemporal
para a total abertura do infinito, deste mundo para Deus.
Toda a vida humana possui estrutura pascal. Toda ela é
feita de crises que significam passagens e processos de acrisolamento e
amadurecimento. Tomando o tempo como referência, verifica-se uma passagem da
meninice à juventude, da juventude à idade adulta, da idade adulta à velhice e
da velhice para a morte e da morte para a ressurreição e da ressurreição para o
inefável mergulho profundo no reino da Trindade, segundo a crença dos cristãos.
São verdadeiras travessias com riscos e perigos que este fenômeno existencial
implica. Há travessias que são para o abismo, há outras que são para a
culminância.
A Páscoa traz uma novidade, tão bem intuída pelo filósofo
Hegel. A páscoa nos revela a dialética objetiva do real: a tese, a antítese e a
síntese. Viver é a tese. A morte é a antítese. A ressurreição é a síntese. A
síntese é um processo de recolhimento e resgate de todas as negatividades
dentro de uma outra positividade superior de vida. Assim, o negativo nunca é
absolutamente negativo, nem o positivo é somente positivo. Ambos estão contidos
um no outro, encerram contradições e formam o jogo dinâmico da vida e da
história. Mas tudo termina numa síntese superior.
Talvez esta seja a grande contribuição que a Páscoa judaico-cristã oferece aos que se afligem e
se interrogam sobre o sentido da vida e da história. O cativeiro, o sofrimento
não tem a última palavra sobre a existência, mas a libertação, a morte não
detém o sentido das coisas, mas a vida e a ressurreição. Assim a história
estará sempre aberta. Com razão nos dizia o poeta e profeta Dom Pedro Casaldáliga:
depois da síntese final da Páscoa de Cristo não nos é mais permitido viver
tristes. Agora a verdadeira alternativa é: ou a vida ou a ressurreição.
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